26 de fevereiro de 2010

As coisas

Simplesmente coisas! O que terão mais?
É regular depararmo-nos com muitas coisas, durante cada dia, cada hora, cada minuto, cada segundo. No entanto, algo que me repugna de certa maneira é o facto de parecer ser necessário olhar para as coisas procurando nelas um sentido oculto que elas não têm de ter. Será que não podemos olhar para as coisas em nossa volta e apenas ver o que a realidade nos demonstra? Será que somos permitidos a isso?
São tantas as perguntas às quais nós não conseguimos dar resposta, mas é assim que conseguimos fazer com que a vida faça sentido sem fazer, propriamente, um sentido prático e concreto. Afinal, o que é o concreto?
O mundo devora-me, devorando-me lentamente naquela que é a maior celeridade que pode existir, vai-me corroendo, mas a necessidade de buscar mais é inevitável, cause isso o que causar.
De facto, quando passo na vida e me deparo com as coisas, quero convencer-me que elas são aquilo e aquilo mesmo, tendo por único sentido obscuro e oculto, o facto de não o terem, de não terem significado e terem apenas e só existência real.
"As cousas são o único sentido oculto das cousas", já dizia Alberto Caeiro, mas eu, em todas as análises que faço das coisas,não me consigo abster e caio no erro de tentação,de procurar o fim, o interior. Não excluo o mar, pois acredito que mesmo sofrendo, com o uso dos sentidos e da intelectualização dos mesmos, serei capaz de ver, analisar e interpretar para além do que a minha realidade me permite observar.

18 de fevereiro de 2010

Cântico Negro

" "Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!"

José Régio

17 de fevereiro de 2010

O sentido do princípio

É de notar que, diariamente, todos nós somos confrontados com o significado e amplitude do princípio das coisas.
Na verdade, julgo sabermos reconhecer que tudo quanto nos aparece, tudo quanto acontece, tem um princípio. Mas será que sabemos mesmo? Será que é factual que o haja? Nada melhor do que um conjunto de questões para (não) responder a uma qualquer interpelação.
Por outro lado, cabe-me colocar uma dúvida minha. O que será o fim? Será, o fim, um tempo acabado, um sinal de barreira intransponível? Penssemos então na questão da morte. Por que razão, na nossa cultura, a morte é entendida como motivo de angústia, tristeza e, sobretudo, fim? Para mim, a resposta é simples. Tudo isto passa por uma tentativa, quem sabe involuntária, de egoísmo, porque para além de pensarmos que uma vida fica por ali, pensamos em nós e na nossa (in)capacidade de lidar e enfrentar todo o sucedido.
Resumidamente, é assim na vida, é assim com a vida, é assim para a vida!
Em suma, e numa tentativa de lançar este espaço que hoje se abre, digo-vos: este é um começo, um princípio, mas talvez, também,sempre, o fim de algo. Talvez por tudo isto, à medida que vamos progredindo no nosso pensamento e nas nossas faculdades, podemos dizer que vamos e andamos num caminho sem fim, mas talvez sem princípio. Um caminho sem marcas prévias e, portanto, sem luz, quer no princípio quer no fim!